O carnaval no Distrito Federal faz lembrar as ladeiras de Olinda e as ruas estreitas do Recife Antigo
Bloco Galinho de Brasília. Fotografia: Wilson Dias/Agência Brasil
Por Ellen Travassos e Victor Mayrink
Pacotão, Galinho, Menino de Ceilândia, Mamãe Taguá e Baratona. Com o passar dos anos, os tradicionais blocos nordestinos se estabeleciam, em versões mais acanhadas, pela capital federal. Foi assim que surgiu o Grêmio Recreativo da Expressão Nordestina - G.R.E.N - Galinho de Brasília, mais conhecido como Galinho, um dos maiores e mais tradicionais blocos do carnaval brasiliense surgiu da saudade de um grupo de pernambucanos, liderados por Romildo Carvalho, aqui na capital.
“A gente costumava brincar o carnaval no Recife, no Galo da Madrugada, mas em 92 com o confisco das poupanças durante o governo Collor, a gente não conseguia sair de Brasília para chegar em Pernambuco A gente não conseguia parar de brincar no Galo da Madrugada. Aí como a gente não podia vir, a gente levou o Galo pra lá (Brasília)”, lembra Romildo, em entrevista direto de Recife.
A regra número um do ‘Galinho’ é: tocar frevo. O ritmo pernambucano conquistou o público e com o tempo foi desaparecendo do gosto brasiliense, foi assim que em 1992, Romildo decidiu criar o Grêmio Recreativo da Expressão Nordestina. Com a “benção” do Galo da Madrugada, direto de Recife, Romildo reconquista os brasilienses e faz do Galinho um “refúgio cultural” da cultura pernambucana. Quando perguntado o motivo da tamanha aceitação pela população candanga, Romildo lembra das características e riqueza dos ritmos pernambucanos.
“O carnaval nordestino tem uma grande aceitação por conta da riqueza do ritmo. que é ritmo alucinante. Ele bota pra ferver. O frevo era uma corrutela* de ferver, o frevo é entendido com uma dança e a música. Um não existe sem o outro. O passista, ele se manifesta de uma forma muito livre, com os passos, são bem característicos, muitos catalogados pela pessoa. O frevo entra na cabeça, passa pelo corpo e acaba no pé”.
A influência dos ritmos nordestinos na folia de Brasília se estendeu até os então estudantes da Escola de Música de Brasília, Ivaldo Gadelha e Laércio Pimentel, que convidaram Davi Abreu, Daniela Neri, George Lacerda e Cacai Nunes, juntos os estudantes criaram o “Ventoinha de Canudo”, inspirados em fazer uma banda de pífano.
Bloco Ventoinha de Canudo. Fotografia: Davi Mello
Amigos de um curso internacional de verão, a ideia inicial do grupo era sair por Brasília apenas como uma banda, para ser uma brincadeira de rua como se fosse em Recife. A manifestação cultural com os pífanos logo se transformou num bloco e atraiu bastante público nas ruas da Asa Norte. Davi Abreu, um dos fundadores e integrantes atuais do Bloco Ventoinha de Canudo, completa:
“Um dos principais elementos é a ideia do brinquedo popular, dessa ideia de sair pra rua para brincar de cultura, para vivenciar a cultura e isso é o que traz o espírito nordestino para Brasília.”.
Trazendo representatividade para a Paraíba, o bloco Cafuçu do Cerrado surgiu da ideia de trazer um carnaval que mostra suas origens na escravidão, nos movimentos periféricos, já que a palavra “Cafuçu” representa cafuzo, uma miscigenação entre índios e negros africanos. Lucas Formiga, nordestino e um dos idealizadores do bloco, complementa “A coisa mais legal do carnaval de João Pessoa, e não é a toa que trouxemos o Cafuçu pra cá, pois ele apresenta a diversidade, a cara do brasileiro, sabe? Aquela pessoa humilde, gente boa, da periferia e que tem muitos amigos, gosta de música, do brega e gosta de festa.”.
Bloco Cafuçu do Cerrado. Fotografia: Luian Valadão
Hoje, o bloco conta com a produção de Angélica Diano, e podemos ver como o Cafuçu abraça todo tipo de gente, sem distinção de cor, gênero, sexualidade, mostra uma diversidade, e isso é muito importante na hora de escolher o repertório musical, não pode faltar do brega ao axé, mas desde que respeite a todos foliões que estejam no bloco. São dias de festa para se sentir à vontade, festejar e brincar, levando a população dias de descontração.
Os blocos mais populares de Brasília carregam milhares de pessoas por dia, é o caso de Milene Martins (47), a funcionária pública leva os filhos no bloco desde que eram crianças. Ela passou a curtir certos blocos por conta dos filhos, é o caso do Galinho. Ela conta que o bloco era o favorito dos pequenos porque “só tocava frevo, eles se divertiam muito, adoravam”. Ao falar sobre os blocos que frequenta até hoje, Milene mostra os vídeos que gravou durante a festa e não esconde a alegria que o Carnaval proporciona. Quando perguntada sobre quais ritmos não podem faltar, a funcionária pública respondeu:
“Axé, mas os antigos, samba e rock em ritmo de axé. Gosto dos frevos, das marchinhas. Amo o carnaval!”
Bloco Galinho de Brasília. Vídeo: Acervo Pessoal
Desde que ocorreu a imigração em massa para construção em Brasília, cerca de 51,8% dos imigrantes do DF segundo a Companhia de Planejamento (Codeplan) são nordestinos. A influência na cultura do brasiliense não se restringe só a culinária, música e expressão cultural. É inegável que através de histórias e muita saudade de casa, a cultura nordestina foi se estabelecendo por aqui.
*Corrutela significa povoado.
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