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Ariano Suassuna: escritor, dramaturgo, cidadão e defensor da cultura popular

Por Evellyn Luchetta, Geovanna Bispo e Helena Mandarino


A valorização de uma cultura essencialmente popular e brasileira. Esse era o ideário do escritor e dramaturgo paraibano Ariano Suassuna (1927 - 2014). Para ele, era preciso valorizar o que é produzido na própria terra. Foi daí que surgiu o movimento Armorial.

Um dos principais estudiosos brasileiros da obra de Ariano, o professor Carlos Newton de Souza Lima Júnior, afirma que a intenção de Ariano era propor uma arte erudita pelo caminho da cultura popular, a partir de um diálogo entre elas para, assim, criar uma arte verdadeiramente brasileira.

“O Movimento Armorial estabeleceu princípios para a criação de uma arte brasileira que não tem data de validade. As grandes obras não envelhecem, por isso a gente sempre às revisita”, afirma o professor da Universidade Federal de Pernambuco. Ele, que trabalhou com Ariano, é autor de obras como Almanaque Armorial (2009) e O cangaço na poesia brasileira (2008).

“O Ariano, com toda sua obra e movimento, tentou nos mostrar uma ferida aberta, a ferida do embate entre o ‘Brasil real’ e o ‘Brasil oficial’. E ele conseguiu, de forma cômica e irônica, criticar essa ferida. Essa é a importância dele, mostrar, por meio da literatura e da arte, o Brasil para o próprio Brasil, mostrar o Brasil para os brasileiros, mostrar a ferida, mas com sorriso e muita alegria”, explica a pesquisadora e professora de literatura Fabíula Ramalho. O “Brasil real”, citado pela estudiosa, é o Brasil das comunidades, da cultura popular do povo simples e o “Brasil oficial”, o Brasil dos governantes, dos poderosos e das elites.

Ariano Vilar Suassuna nasceu em 16 de junho de 1927, na antiga Nossa Senhora das Neves, que hoje é a capital da Paraíba, João Pessoa. Filho do “presidente” do estado, cargo que hoje corresponde a governador, Ariano cresceu tendo a literatura e as artes como melhores amigas e, após a morte de seu pai, se mudou com sua família para Recife (PE). “Nessa época, ele já escrevia uns versinhos poéticos, mas nada muito revelador ainda. Ele dizia que escrever era uma forma de preservar a memória paterna”, afirma Fabíula Ramalho.


Mas foi apenas em 1946, quando ele entrou na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), no curso de Direito, que ele começou a escrever suas primeiras obras teatrais. “Quando ele entra na faculdade de direito, ele conhece o advogado, dramaturgo e teatrólogo Hermilo Borba Filho e alí, no contato com o Hermilo, ele conhece o mundo da dramaturgia e do teatro. Em 1947, ele escreve a primeira peça, Uma mulher vestida de sol, que é uma tragédia”, explica a professora.


Confira trecho de conversa com a pesquisadora:


A obra mais conhecida de Ariano, O Auto da Compadecida, foi escrita em 1955. Ainda que sua versão mais famosa seja o filme produzido pela Rede Globo em 2000, sua primeira montagem como peça veio um ano após a publicação, em 1956. “O Auto da compadecida é uma obra magnífica. E ela foi apresentada na década de 1950 no Rio de Janeiro, que era a capital do país na época. Teve um festival de teatro lá e o Ariano foi com todos os atores de navio e apresentaram. Ele, sendo o diretor, sentou na primeira fila e estava muito receoso pelo preconceito contra o povo nordestino”, afirmaLuís Otávio Assumpção, sociólogo e apreciador da obra de Suassuna.

No intervalo da apresentação, Ariano foi tomar um café e pedir opiniões dos amigos e jornalistas, muito nervoso com as possíveis críticas. Entre as opiniões dadas, uma marcou o escritor. Era a fala de um rapaz que assistia à peça e que disse: “Ariano, eu estou adorando a peça. Só tem uma coisa, como vai ser o próximo ato? Você matou todo mundo”, animado com a conclusão e andamento da história. O dramaturgo riu e falou “Deixa comigo!”

Mas o que realmente marcou a apresentação para a história foi a recepção da mídia nos jornais no dia seguinte. Uma importante crítica brasileira Bárbara Heliodora, que tinha estado no teatro no dia da apresentação, publicou uma matéria sobre a peça de Ariano e despontou grandes elogios sobre o que tinha assistido. O título da matéria foi “O nordeste conquista o Brasil”.

A resolução de Bárbara foi tão importante que o próprio presidente da época, Juscelino Kubitschek (1902-1976), pediu para que Ariano e a equipe ficassem mais tempo fazendo apresentações. A estadia oferecida, que duraria cerca de uma semana, contava com todos os gastos pagos. Juscelino queria garantir que todo o Rio de Janeiro assistisse à obra de Ariano.


O Movimento Armorial

Ariano lançou o Movimento Armorial alguns anos depois de ter se destacado com O Auto da Compadecida, em 18 de outubro de 1970. Apesar do movimento só ter surgido nesse ano, Suassuna já carregava consigo traços armoriais e o desejo de espalhar a cultura popular há muito tempo. “Ariano diz que a arte armorial precede o movimento e, realmente, essa lógica armorial é perceptível desde os anos 40. O movimento armorial estabeleceu princípios para a criação de uma arte brasileira que não tem data de validade”, afirma o professor universitário e estudioso da obra de Ariano Suassuna, Carlos Newton.


Confira trecho da conversa com a pesquisadora:


Os pesquisadores argumentam que, na verdade, ocorre, com o movimento, uma defesa da cultura nacional. Segundo Fabíula Ramalho, ele pretendia criar uma arte erudita brasileira a partir da cultura popular nordestina e por meio da fusão das artes. “O Movimento Armorial foi essa busca de valorizar o que é nosso, tendo em vista que naquele período já começava o processo de influência da cultura de massa, da cultura pop americana no Brasil. Então, eu acredito que ele também quis falar ‘olha, aqui dentro tem uma arte profunda, que expressa uma beleza riquíssima e nós não estamos olhando para ela’”, explica a pesquisadora.

“O Movimento foi um chamado para olhar no fundo da alma brasileira, um chamado para olhar para quem somos, para nossas origens, para nossa mistura de etnia, de cores, de pensamentos e que podemos ver nesse homem simples do sertão, nesse homem da comunidade”, completa Fabíula Ramalho.

A “arte erudita”, citada por Carlos Newton, é a arte encontrada em museus, galerias e locais fechados, feitos para esse tipo de obra. A arte cultura popular são aquelas feitas pelo povo e para o povo. "Quando ele fala, por exemplo, em música popular, ele não está se referindo à MPB, mas sim aos livros. Uma ligação a cultura ocidental, não necessariamente um artista acadêmico, mas um artista que vive no universo do livro. A cultura popular fica mais na oralidade, na tradição, no empírico, como xilogravadores, cordelistas, cantadores de viola. Ariano identificava esses dois universos e buscava gerar um encontro entre eles.”


Confira trecho da conversa com o pesquisador:


Poucos sabem, mas o movimento nasceu como um projeto de extensão na Universidade federal de Pernambuco (UFPE) para juntar pessoas que tinham o mesmo pensamento sobre a cultura popular e arte. Carlos Newton afirma que, no início do projeto, Ariano não imaginava que tomaria a proporção que tomou. “Ele queria apenas despertar nas pessoas esse gosto pela cultura popular“, completa.

Mas foi apenas quando Suassuna se tornou Secretário da Educação nos anos 1970 e, posteriormente, Secretário Estadual de Cultura entre os anos de 1995 e 1998, que o movimento ganhou fama e importância. “Ele criou um grupo chamado quinteto armorial, chamando músicos. O quinteto foi liderado por Antônio Madureira. Lançaram quatro LP’S. A música armorial é uma música erudita e também industrial”, comenta Carlos Newton.

Ariano não parou no quinteto, ele também criou a Orquestra Romançal Brasileira e, depois, o Balé Armorial, que hoje serve de inspiração para o balé popular, no Recife. O professor Carlos Newton conta que Ariano carregava consigo uma sensibilidade muito grande para a arte, inclusive para áreas que ele não atuava diretamente. “Quando ele não criava, dava um caminho. Ariano não dançava, mas deu um caminho para a dança. Não era compositor, mas deu um caminho para a música”.


Foto: Quinteto Armorial

A influência


“O Ariano é a figura de um cânone, de um poeta grandioso, que soube como poucos como retratar o sertão e a cultura popular”. A frase é do cordelista Sabiá Canuto, de Ceilândia, que, assim como muito outros artistas, encontrou em Ariano Suassuna uma inspiração de vida e de obra. Sabiá complementa que Ariano não foi importante só na produção de suas obras, mas na disseminação delas também. “Quando ele foi o Secretário de Cultura o seu trabalho enquanto gestor cultural foi muito importante, ele valorizou bastante a cultura do cordel, as outras culturas populares do povo nordestino e divulgou isso pro mundo através do Movimento Armorial”, completa Sabiá.

O também cordelista Davi Mello explica que se inspirou em Ariano Suassuna para a produção de suas obras. “O que me abriu para a cultura popular como um todo foi um livro do Ariano Suassuna que eu li em 2011, que foi “A pedra do reino e o príncipe do sangue vai-e-volta”. Eu fiquei nove meses lendo ele. Foi quase um parto mesmo, que me abriu e me fez conhecer esse universo da cultura popular”. Depois desse momento, Davi se aprofundou e passou a conhecer outras representações da cultura popular nordestina.


Mas não foi apenas na vida de artistas que Ariano se fez e faz presente. O sociólogo Luís Otávio Assumpção conta que, em uma Bienal do Livro há seis anos, viu uma palestra do autor e, em um momento de euforia, se levantou e gritou no meio do Museu da República, em Brasília: “Esse homem merece um prêmio Nobel!”, apontando para Suassuna. “Nessa hora eu fiquei impressionado porque todo mundo aplaudiu e gritou junto, concordando, ‘É isso mesmo!’”, recorda com humor.


O verdadeiro Ariano


Estudioso das obras e amigo pessoal, Carlos Newton conheceu Suassuna durante a faculdade de arquitetura, em 1983. “Ariano ensinava estética na UFPE e, quando eu estava no primeiro período do curso, ele foi meu professor e eu me encantei com as aulas dele. Elas eram espetáculo. Era um negócio impressionante. Ele foi um professor que nunca precisou fazer uma chamada para ter aluno em sala de aula. Alunos que já haviam pago a disciplina voltavam pra assistir”, testemunha o ex-aluno.


Confira trecho da conversa com o pesquisador:


As aulas eram tão impactantes que o então universitário Carlos, que conhecia muito pouco sobre as obras e trabalhos do professor, começou a ler e pesquisar, até se tornar amigo pessoal do dramaturgo. “Ariano sempre foi um homem extremamente alegre, muito otimista. Ele se dizia um realista esperançoso, um homem sensato. Nunca vi ele dizer um palavrão, nunca vi ele explodir com alguma coisa, ele sempre procurava ficar calmo”, descreve o amigo.

E a imagem de boa pessoa não se restringia apenas para amigos próximos. Segundo a estudiosa Fabíula Ramalho, Suassuna exalava simpatia por onde passava. “Eu tive oportunidade de conhecê-lo e ele era uma pessoa muito encantadora, muito simpática e acolhia a todos. Ele era essa pessoa. Ele não foi somente um escritor, ele foi um grande homem, um grande cidadão e um grande defensor da cultura popular brasileira.”


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