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O tempero das Águas Lindas

Por Ana Paula Marques




O cheiro.


Creck, creck, creck... O barulhinho não para. Cada volta da pequena máquina transforma os grãos em pó. A pimenta de cheiro forte domina aquele ambiente. Não é mais barulho que chama atenção de quem está dentro da loja. Mas o arrepio que traz para o olfato. Em Águas Lindas de Goiás, cidade no Entorno do Distrito Federal, as lojas típicas nordestinas fazem parte de um cenário como se fosse um espaço sertanejo. Mas aqui a secura dos dias anuncia a proximidade com a capital. Neste município de 159 mil habitantes (sendo 24% nordestinos), o cheiro da pimenta, entre tantos outros temperos, manifesta o gosto que está por vir. Os sentidos são traduzidos pela simplicidade e beleza das pequenas lojinhas.



À vista.


Na entrada já se nota os balaios de palha, cestos que servem tanto para decoração, quanto para manter as frutas reunidas em cima da mesa da cozinha, por exemplo. Com a decoração colorida e muito atípica, a pequena loja na avenida comercial, do Bairro Jardim Barragem II, de Águas Lindas, expõe por adornamento, bandeirinhas de festa junina que enfeitam o teto, chapéus de palha que dividem uma parede com uma pequena viola e logo abaixo, os produtos são expostos: grãos, farinhas, garrafadas, rapaduras e folhagem.



Recanto Nordestino e seus encantos




Peneiras de farinha formam um círculo ao lado de três araras na parede. As esculturas de porcelana das aves trazem o ar tropical das praias de águas azuis cristalinas do Nordeste.

A mesa farta ao centro do lugar chamado de “Recanto Nordestino” conta com variedades: doces de buriti e óleo de dendê dividem espaço com as panelas de barro e colheres de pau. No fundo, a parede repleta de temperos moídos, pendurados em suporte de ferro. Segundo Pedro Marques, 22 anos, vendedor da loja, os produtos que mais saem são os temperos, como as pimentas


Os temperos



O jovem vendedor entende de temperos usados por um povo rodeado de tradição dos antigos. Ele relata que o público que frequenta a loja é variado, assim como os produtos que se encontra no pequeno comércio. Atrás de um balcão rodeado de doces típicos, como cocadas e geleia de umbu, Pedro relata que a procura na pequena cidade é grande: “Aqui entra gente de toda idade e procurando de tudo, desde docinhos, sacos de farinhas e as pimentas moídas. Acho que o tempero nordestino é universal”.


A 1,1 km dali, na mesma avenida, se encontra o “Mercadinho do Nordeste”. A loja também pequena, mas aconchegante aos olhos, mantém a beleza sertaneja de tons barrosos, destoando dos vizinhos mais atuais. As vassouras de palha e os cabideiros de madeira fazem a vitrine que chama atenção de quem passa por ali. A lojinha tem ar de lembrança da roça e das pequenas cidades antigas, onde todos se conhecem e os dias passam quentes por castigo do sol. Mesmo para aqueles que só imaginam como é estar e viver lá, esses achados no meio de comércios, lembram da quentura do verão sertanejo.


O Sabor.



Logo na entrada se notam as grandes letras azuis, um recado na parede já dá o aviso de qual produto seu Francisco de Assis mais vende: “pimenta malagueta e outras”. A pimenta é o artigo de destaque, todos os tamanhos e cores, organizadas em balaios e em recipientes de plástico, as que levam ardência e sabor a boca dos clientes assíduos da loja, também diminuem a saudades da “terrinha”.

Antônia Maria da Conceição, 58 anos, é nascida no município de Bacabal, no interior do Maranhão. a 240 km de distância de São Luís. Ela relata que procura sempre por lojas que a levem de volta à infância e à adolescência vividas no sabor do Nordeste: “Mudei para Brasília aos 20 anos e com 28 vim para Águas Lindas. Sempre que posso venho aqui no Seu Chico... Comprar meus temperinhos e as pimentas, isso deixa a comida bem mais gostosa... A comida com esses temperos tem o gostinho do sertão.”


Antônia mudou-se para buscar novas oportunidades e aqui, na secura da “cidade grande”, achou seu lar. Ela diz que não quer ir embora de volta para a terra natal. “Lá foi minha primeira casinha onde fui criança inocente. Apesar da saudade, prefiro deixar a criança que fui por lá.”


A audição.



Apesar da avenida ter seu próprio ritmo na lojinha do seu “Chico” o assovio fino da viola se escuta no horário comercial. A sua vitrola antiga é quem dita o compasso e a voz alta dos artistas seus preferidos. Tonico e Tinoco se fazem presentes por todo o ambiente enquanto seu Francisco separa a farinha para a freguesa. Com todo cuidado para não arranhar o disco, ele tira e o coloca da vitrola para recomeçar as músicas. “Não tem como enjoar, isso que é música de verdade.”


No fim da tarde, mesmo de longe dá para escutar, a cantoria ritmada e os versos de rima, que vem da pequena lojinha. Eles se destacam por diferença de estilo das músicas dos vizinhos. Quem passa por ali às vezes pode escutar, vindo do fim da lojinha do seu “Chico” a vibração da viola e da voz dos dois preferidos. Tonico e Tinoco cantam:

Sua safra é uma potência Em nosso mercado e no estrangeiro Portanto vejam que este ambiente Não é pra qualquer tipo rampeiro”



A música, os adornos simples, o sotaque e vida mais devagar fazem desses lugares mais do que lojas comuns em Águas Lindas. Há temperos que não dá para descrever.


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