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Dialeto nordestino: de onde vem o preconceito linguístico?

Em todos os aspectos e características, pode-se dizer que o jeito do nordestino ser, viver, e principalmente, falar é “arretado”. O nordeste é a região brasileira que possui a maior quantidade de estados: Alagoas, Bahia, Ceará, Maranhão, Paraíba, Piauí, Pernambuco, Rio Grande do Norte e Sergipe. A cultura popular em cada região dessa é rica e singular em seu artesanato, musicalidade, religiosidade, culinária, costumes, danças e no dialeto não poderia ser diferente.


Para quem ouve pela primeira vez, a característica mais evidente da conversa de um nordestino está na velocidade com que costumam conversar. Portanto, sempre que estiver em um papo com nordestinos, é essencial prestar atenção em algumas palavras que podem ter sofrido uma contração. O famoso "oxênte", por exemplo, é originária de um "olha, gente!" e vem sendo contraído até hoje, e em breve será apenas "ôxi".


No entanto, a diversidade linguística do nordeste, comparando com outras localidades do nosso país, também ocasiona o estranhamento entre culturas diferentes. Contudo a palavra “estranhamento” pode representar o sentimento mais leve que existe, quando se fala no sotaque nordestino no sul ou sudeste do Brasil, por exemplo. As expressões, sotaques e palavras divertidas deste povo sofre constantemente com comentários ofensivos e preconceito.


O preconceito linguístico se baseia na crença de que só existe uma única língua portuguesa digna de ser aprendida, ensinada e falada. Assim, segundo o professor e linguista, Marcos Bagno (1999), qualquer manifestação linguística que saia dessa trilha escola-gramática-dicionário é considerada errada, feia ou deficiente e, muitas vezes se ouve por aí, que não é português.


O linguista Bagno ainda escreveu em sua obra Preconceito Linguístico, que os comentários com qualquer dialeto diferente, deriva da construção de um padrão imposto por uma elite econômica e intelectual que considera como “erro” e, consequentemente, reprovável tudo que seja diferente desse modelo.


A onda de comentários ofensivos contra os nordestinos também se alastra pelas redes sociais o que revela que o país não está dividido somente pela opção política, mas também por um preconceito latente, pronto para explodir diante da primeira oportunidade.


Maria Eduarda Varella chegou a Brasília em 2014. Veio direto de Recife, com 24 anos, acompanhada apenas do marido João Pedro. A fisioterapeuta não tem familiares por aqui, e conta que sentiu muita diferença nas relações interpessoais na capital. “O que a gente mais sentiu, quando chegamos aqui foi a indiferença das pessoas. Enquanto no nordeste a gente abraça mais, conversa mais e tem uma relação mais “arretada”, aqui as pessoas são mais individualistas e parece que todo mundo vive em uma bolha.”


Maria trabalha no Hospital Santa Lúcia, na UTI Neonatal do lugar. Ela relembra que, no trabalho, ouviu comentários desagradáveis de colegas da profissão. “Em meus atendimentos eu pedia para o paciente tossir, mas do meu jeito eu digo “tussa para mim” e tinha um enfermeiro que ficava imitando o meu jeito de forma pejorativa.”


“Às vezes eu falava sério com pacientes e de repente eu soltava algo com o sotaque mais forte e meu colega “fazia graça”, repetindo o que eu falei” completou a fisioterapeuta.


Maria está grávida e em dezembro sua bebê Rebeca vem ao mundo. no entanto, mesmo quando a fisioterapeuta fala de um dos momentos mais especiais da vida, as pessoas não deixam os comentários rudes passarem. “Às vezes acontece de sermos corrigidos também. Eu tava falando da neném e então falei a palavra "nascer", mas em meu sotaque a palavra fica “naiscer”, fizeram uma cara de "quê?" e disseram que eu falava errado” relembrou Maria.


"Às vezes pedem para a gente repetir algo que falamos, com a desculpa de que é “bonitinho”, mas nisso a gente também sente o preconceito.” completou Maria ao afirmar que tratam nordestinos como se fossem, segundo a fisioterapeuta, de uma espécie diferente.



João Pedro Barbosa, também é recifense. Cresceu e viveu até seus 23 anos em Olinda, região metropolitana. Casou e veio com Maria Eduarda para a capital com 22 anos, onde trabalha como II sargento do Exército Brasileiro. Ele conta que ao chegar aqui decidiu falar inglês e entrou em curso na Asa Sul, mas o sotaque misturado com as palavras estrangeiras causaram tumulto na aula e comentários ofensivos com seu jeito de falar.


“A aula era sobre conversação e quando chegou a minha vez de treinar o inglês um dos alunos “se largou” a rir de mim, repetindo o meu sotaque de forma pejorativa.” Ele relembra que nunca tinha visto ou conhecido o sujeito que caçoou dele e o ridicularizou, por isso ficou espantado com a “ousadia” demonstrada na aula.

“Quando o homem parou de rir, ainda soltou um “só pode ser arataca”. A expressão é um apelido pejorativo, muito utilizado nas forças armadas do Brasil, para se referir ao nordestino de maneira geral. “Quem usa essa expressão não se importa se a pessoa é do Piauí, da Paraíba, ou do Ceará, mas agrupam tudo em uma palavra só. Isso incomoda pois em cada estado temos culturas, culinárias, costumes e até sotaques diferentes.”


Para completar, João Pedro comenta que o preconceito não é só na maneira de falar, mas na aparência, nas características e em outros componentes. “Quando eu estava na escola de sargento a experiência do preconceito foi pior, uma vez que lá tinham pessoas de todo o Brasil, mas os sulistas sempre se encarregaram dos comentários ofensivos.”


No entanto, entre diversos relatos de preconceito, está o engenheiro agrônomo Elino Alves de Moraes, 82, que nasceu na cidade de Parambu, CE, cresceu em Fortaleza e veio para Brasília em 11 de abril de 1960 para construir Brasília. Ele conta que nunca sofreu discriminação por causa de seu sotaque ou cultura. “Posso dizer com clareza que preconceito linguístico nunca aconteceu comigo. Tenho três filhos que cresceram aqui também e nunca passaram por uma situação constrangedora em todo o tempo que moramos aqui.” Sobre o preconceito com pessoas do nordeste, o aposentado afirma que “quem cria a segregação é o próprio segregado.”

Contudo, Elino relembra que em tempos que trabalhava em conjunto com alguns candangos gaúchos, a conversa se mostrava diferente. “Gaúchos são corporativistas e exclusivistas. Em reuniões de trabalho, ou até mesmo conversas informais sobre questões da empresa que eu trabalhava, preferiam sempre conversar entre si. Quando pessoas de outro estado tentava opinar ou falar qualquer coisa, não davam ouvidos e eu nunca entendi o porquê.”


Segundo o especialista em linguística, Antônio Caprisco, o preconceito linguístico é apenas uma vertente da aversão construída contra nordestinos. “Isso começa quando somos crianças. Muitas vezes, até sem perceber, os pais podem ensinar atitudes preconceituosas quando se referem a alguém pejorativamente como “aquele paraíba”, “o cabeça chata”, “o ceará”. Somados a outros adjetivos e comparações entre sotaques e expressões.


“Pouco se fala, no currículo escolar, da riqueza e da heterogeneidade da cultura nordestina, com sua música, danças, culinária, arte, religiões, populares, os grandes nomes da literatura, da política, da dramaturgia, da indústria, da educação, e de tantas outros setores.” comentou o especialista.


O nordeste é um estado de diversidades, portanto é inconcebível zombar de seu povo pelo jeito de falar. Para transformarmos essa realidade é necessário investir tempo e interesse no conhecimento linguístico.



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